Vovó faz usuários de crack apagarem cachimbos com a “Terapia do abraço”

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Por Bruno M.
Imagem de capa para Vovó faz usuários de crack apagarem cachimbos com a “Terapia do abraço”
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Fotos: IG/Saúde
Quem liga para os usuários de crack, que vivem nas ruas se drogando, roubando e matando?
Dona Maria Albertina França, 70 anos, conhecida como dona TIna, liga e muito.
Ela tenta ajuda-los com a maior arma que tem: o carinho do abraço.
Arma que funciona mais do que os cacetes da polícia. quando Dona Tina chega, com seus passos lentos, na rua Gusmões, na Cracolândia paulistana, os dependentes começam a apagar os cachimbos recheados com crack!

Medo?

Não! Eles têm respeito por ela.
“Dona Tina vem aí”, anuncia um dos meninos sentado na calçada, com a droga recém-apagada em punho e o cobertor enrolado no pescoço.
Alguns levantam e cercam a mulher, prontos para receber a terapia idealizada pela assistente social aposentada: o abraço.
“Uma vez por semana, venho até aqui (sozinha e à noite) trazer abraços”, explica sobre o método, empregado há um mês e de forma voluntária, para contribuir com o resgate da dependência química no local.
Resultado
“Me faz lembrar da minha ‘abuela’ ( avó em espanhol )”, diz a argentina Cristina Isabel, de 30 e poucos anos de idade, em referência à dona Tina. São dez anos em São Paulo, cinco anos de crack e “cinco anos sem abraçar ninguém, trocando qualquer gesto por pedra, vivendo sozinha e cercada por interesseiros”, contabiliza Cristina, em um choro compulsivo, ao soltar o abraço e partir pela rua Gusmões, dizendo que o encontro com a aposentada a fez “ganhar a noite, ganhar o mês, na verdade, ganhar o ano”.
Quem apita?.
A atuação ao estilo ‘carinho de vó’ foi desenhada com base em dois ingredientes nas políticas públicas contra o crack que a aposentada considera fundamentais, porém inexistentes “em tudo que já viu”.
“Em tudo que li, ouvi e participei sempre senti falta de duas coisas: afeto e a voz dos próprios usuários de droga”, avalia Dona Tina, enquanto caminha com os dois braços para trás, do alto de seus 1,50 metro, batom nos lábios e casaco de lã para proteger do frio de 16 graus que marcava a sexta-feira em que a reportagem do IG caminhou com a aposentada pelas ruas do crack.
“Acompanho de perto tudo que já foi pensado para a cracolândia paulistana, desde a revitalização imobiliária, o uso da força policial, a internação à força ( chamada de internação involuntária) , além da idealização de tratamentos médicos”, afirma.
“Nada funcionou, as coisas só pioraram. Então resolvi botar o meu bloco na rua”, diz ela, que se aposentou do serviço social, mas não “das causas sociais”.
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As visitas
Dona Tina, então, vai às ruas semanalmente, abraça os usuários de crack e aproveita o ensejo para ouvir o que eles acreditam ser importante para a área e para a recuperação.
“Quem pita é quem apita” diz ela sobre o slogan do projeto “Aquele Abraço”, idealizado em parceria com o amigo e militante das ruas, o arquiteto Arnaldo de Melo.
“Já marcamos reuniões e a proposta é levar as contribuições dos moradores da cracolândia à Secretaria Municipal de Saúde e à Defensoria Pública.”
A dona do abraço mágico
Dona Tina nasceu em Jaú, interior paulista, onde viveu confortavelmente até os 20 anos.
“Escolhi o serviço social como carreira pois sabia que a vida era mais complexa do que a fazenda do meu pai”, diz ela, que logo se instalou no centro paulistano, local da residência e do trabalho.
Ela já atuou com todas as populações consideradas excluídas: menores em conflito com a lei, prostitutas, travestis e moradores de rua.
Uma jornada que não deixou tempo para filhos, apesar dos amores vivenciados.
Toda experiência profissional serviu de base para o “Aquele Abraço”, em curso agora. Mas é na roda de samba, no Largo Santa Cecília – onde Dona Tina termina o dia de ‘abraçasso’ na Cracolândia, às 22h – que ela confessa o gatilho da inspiração.
“Sou de uma geração em que a demonstração do afeto pelos pais era rara. Aprendi a abraçar com a população com que atuei. Tinha dificuldade de entrega no início e só então percebi como é mágico abraçar”, lembra, cantarolando as músicas, bebericando o suco de maracujá e comendo a porção de frango à passarinho, dividida com todos que passam pelo local.
São estudantes, donos do comércio, moradores de rua, usuários de droga, policiais, camelôs, taxistas.
Ninguém perde a oportunidade de dar um abraço em Dona Tina.
Com informações do IG/Saúde.