Cordilheira submersa no Brasil pode ter maior reserva marinha do Atlântico

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Por Só Notícia Boa
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Cordilheira submersa entre Vitória e a ilha de Trindade - Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação

Uma cordilheira submersa na costa do Espírito Santo logo poderá se tornar uma das maiores reservas marinhas do mundo.

Dona da maior variedade de espécies que vivem em recifes entre todas as ilhas brasileiras, a cadeia é composta por cerca de 30 montes submarinos de origem vulcânica entre a cidade de Vitória e a ilha de Trindade, a 1.200 km do continente.

“Uma floresta tropical no fundo do mar” – é assim que o biólogo capixaba João Luiz Gasparini descreve cordinheira.

Segundo Costa, a reserva na cadeia Vitória-Trindade teria cerca de 450 mil quilômetros quadrados – área equivalente à da Suécia.

Espécies naturais de lá

Logo após desembarcar na ilha de Trindade, em 1995, o coautor do artigo, João Luiz Gasparini diz ter encontrado numa poça de maré uma espécie que jamais havia sido catalogada pela ciência – um peixe azulado com uma mancha amarela no topo.

“De cara percebi que existia ali um universo fantástico para ser explorado”, ele diz.

O animal – batizado Stegastes trindadensis – integra o grupo de 13 espécies de peixes recifais endêmicas (restritas ao local) registradas na cordilheira até agora.

Somando-as às que também habitam outras regiões, a lista alcança 270 espécies de peixes recifais – 24 delas ameaçadas de extinção -, uma das mais altas taxas de diversidade entre todas as ilhas do Atlântico.

Também habitam a cordilheira cerca de 140 tipos de moluscos, 28 de esponjas, 87 de peixes de mar aberto, 17 de tubarões e 12 de golfinhos e baleias.

Para Gasparini, há muitas outras espécies a descobrir. “A gente ainda mal arranhou a casca do ovo da biodiversidade da cadeia Vitória-Trindade.”

Peixe azul - Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação

Peixe azul – Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação

Expedição

Oito pesquisadores devem iniciar neste sábado (27) uma expedição que pretende furar essa casca.

A bordo do Paratii 2, barco que levou o navegador Amyr Klink à Antártida, a equipe tentará ultrapassar pela primeira vez o ponto no fundo do mar a partir do qual a temperatura cai drasticamente, variação conhecida como termoclina.

Até agora, alcançaram no máximo 80 metros de profundidade.

Abaixo dessa zona, sobre montes mais distantes da superfície, esperam encontrar espécies distintas das vistas até agora.

“Os recifes mais profundos são o novo éden, a próxima fronteira para quem quer fazer mergulho científico no mundo”, diz Gasparini.

A missão será facilitada pelo Paratii 2, veleiro cedido aos pesquisadores por meio de uma parceria e capaz de ficar três meses no mar sem reabastecer.

Os cientistas portarão ainda rebreathers, aparelhos que reciclam o gás carbônico exalado, permitindo que o mergulhador passe até seis horas embaixo d’água.

Em sites de vendas no Brasil, um rebreather novo sai por até R$ 33 mil.

A viagem – que contará com pesquisadores da California Academy of Sciences e das universidades federais do Espírito Santo, Pará e Paraíba – deve durar 20 dias.

Proteção

A cadeia ganhou visibilidade global em agosto de 2017, quando um estudo baseado na formação de sua fauna foi capa da prestigiada revista científica Nature.

O secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa, disse que nos próximos 45 dias o órgão deverá entregar ao presidente Michel Temer um decreto pedindo a criação de uma unidade de conservação em torno da cordilheira e de outra reserva no arquipélago São Pedro e São Paulo, mais ao norte.

“A partir daí, só depende do presidente, disse o secretário à BBC.

O estudo que embasou a proposta diz que ela seria a maior área marinha protegida do Atlântico. Esta semana o governo federal convocou consultas públicas para discutir a criação das unidades.

A proteção da cordilheira é uma demanda antiga de pesquisadores, que a consideram essencial para a manutenção de estoques pesqueiros em águas vizinhas e um dos melhores laboratórios naturais do mundo.

História

Chefe da expedição, o biólogo capixaba Hudson Pinheiro, que faz seu pós-doutorado na instituição californiana, diz que as eras glaciais ajudam a explicar a biodiversidade da região.

Naqueles períodos, enquanto os habitats costeiros eram afetados pela redução do nível da água, os montes submarinos ficaram expostos como ilhas, tornando-se refúgios para a vida marinha.

Conforme o nível do mar subiu nos últimos 10 mil anos, muitas dessas espécies permaneceram isoladas e se adaptaram aos novos ambientes, agora submersos.

Mesmo assim, a cadeia jamais perdeu a conexão com o continente, pois muitas espécies costeiras usam os montes como trampolins, deslocando-se pela cadeia de uma extremidade à outra, no meio do Atlântico.

Hoje ao menos dez desses montes têm entre 30 e 150 metros de profundidade.

Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação

Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação

Única

O elo da cordilheira com o continente, diz Pinheiro, é o que torna a formação brasileira única no mundo.

Há outras cadeias montanhosas de origem vulcânica no meio do oceano, como o Havaí. Mas, como estão distantes do continente, o deslocamento das espécies nessas áreas é limitado.

Outra explicação para a riqueza da fauna na cordilheira é variedade de algas calcárias, um tipo de planta marinha responsável pela formação de recifes naturais.

Há na cadeia 16 espécies dessas algas, que criam nichos e habitats para centenas de outras espécies.

Ameaças

Pinheiro é um dos principais entusiastas da criação da reserva marinha. Hoje, diz ele, a área está ameaçada pela pesca comercial e pela mineração.

Há na região relatos sobre a ação de barcos com redes presas a grandes rodas, do tamanho de pneus de caminhão, que são arrastadas sobre os recifes.

Outro tipo de pesca que preocupa os pesquisadores é a feita com espinhel, quando anzóis são enfileirados para capturar peixes maiores.

Tubarões são muito vulneráveis a esse método de captura; como geram poucos filhotes, podem ser rapidamente aniquilados.

Não só barcos brasileiros atuam na cordilheira. Parte da cadeia Vitória-Trindade fica em águas internacionais, por onde transitam barcos estrangeiros.

Segundo os pesquisadores, há relatos de que esses barcos também estariam pescando no mar territorial brasileiro, o que é ilegal.

Em nota à BBC Brasil, a Marinha disse realizar patrulhas regulares na cordilheira para inspecionar e apreender embarcações irregulares.

O pesquisador diz esperar que a criação da reserva ponha fim à atividade e que a proibição da pesca em partes da cordilheira ajude a repor estoques de peixes em áreas vizinhas sobrexploradas – o que, para ele, também seria benéfico para pescadores.

Com informações da BBC