A diminuição “substancial” do período de abstinência para a doação de homossexuais é “uma evolução que garante a segurança na transfusão de sangue”, afirma um comunicado conjunto da Associação Francesa de Hemofilia (AFH) e a AIDES (Luta contra a AIDS e hepatite), dois órgãos de saúde extremamente afetados no passado pelo sangue contaminado.
A finalidade desta fase intermediária seria para garantir que o fim das condições específicas aplicadas aos doadores homossexuais não vai aumentar o risco de contaminação durante as transfusões de sangue, a chamada janela imunológica.
“Nós atravessamos alguns anos sombrios com sangue contaminado” – descoberto, na França, entre as décadas de 1980 e 1990, o que causou muitas contaminações com o vírus da Aids após transfusões – disse o porta-voz do Ministério da Saúde da França, Jérôme Salomon.
“Daí a importância do princípio da precaução e do requisito de segurança para os pacientes”, sublinhou.
Discriminação
A abstinência sexual de um ano para gays, introduzida por decreto em 2016, provocou críticas de associações homossexuais que apontaram a obrigação como uma discriminação.
Desde 1983, a exclusão da doação de sangue a homens que fazem sexo com homens (HSH) era total, devido aos riscos na época relacionados à AIDS.
A ministra da Saúde, Agnès Buzyn, decidiu reduzir o prazo de 12 para 4 meses com base em uma avaliação científica de riscos.
Estudos da agência de saúde pública da França comprovaram que a liberação da doação de sangue por homossexuais em julho de 2016 não aumentou o risco residual de transmissão do vírus da Aids.
“O risco continua em constante declínio e em níveis extremamente baixos”, insistiu o Salomon, lembrando que a última contaminação com o vírus da Aids depois de uma transfusão ocorreu em 2002.
Brasil: 18 milhões de litros desperdiçados
Mas no Brasil, homens homossexuais só podem fazer doação sanguínea após um ano sem manter relações sexuais com outro homem, o que impede que esse número aumente.
De acordo com a ONU, é necessário que 3 a 5% da população de um país seja doadora para se alcançar índices ideais de doação de sangue. Porém, apenas 1,6% dos brasileiros doa, segundo dados do Ministério da Saúde.
Números do IBGE mostram que 101 milhões de homens vivem no país e, do total, 10,5 milhões é homo ou bissexual. Levando em consideração que cada homem pode doar até quatro vezes em um ano, com a restrição dessa parcela da população, são desperdiçados 18,9 milhões de litros de sangue por ano, calcula a campanha Wasted Blood – sangue perdido – lançada em 2016.
Na época, a agência de publicidade Africa, em parceria com a ONG internacional All Out, criou uma fila virtual quantificando os homens homossexuais que gostariam de doar sangue e não conseguem.
A Wasted Blood totalizou na ocasião 215.809 doadores na fila de espera, a maioria deles entre 25 e 50 anos, que poderiam ajudar 863.263 pessoas.
O estoque simbólico da campanha reuniu 97.114 litros de sangue desde então. Essa quantidade é 18 vezes maior que a quantia mensal de doações recebidas pela Fundação Pró-Sangue, que abastece 116 instituições de saúde pública da região metropolitana de São Paulo.
Inconstitucional
A proibição a gays seria inconstitucional, por ferir o artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
A afirmação dada ao site jurídico JusBrasil, é da a advogada especialista em Direito Homoafetivo e presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias.
“A portaria é absolutamente discriminatória. Qual é o motivo de essas pessoas não poderem doar? Não é por conta da orientação sexual, mas pelo fato de manterem relações anais. Não é a orientação sexual da pessoa que determina a prática do sexo anal, heterossexuais também praticam e deveriam ser incluídos”, diz a advogada.
A Comissão da OAB solicitou uma mudança do texto ao Ministério da Saúde do Brasil no fim de 2013, mas, de acordo com a advogada, nenhuma medida foi tomada nesse sentido até o momento.
O STF, Supremo Tribunal Federal, também recebeu uma Adin, Ação Direta de Inconstitucionalidade, do Partido PSB para mudar a situação.
A ação, que começou a ser julgada, está parada desde 2017 no gabinete do ministro Gilmar Mendes.
Por Rinaldo de Oliveira, da redação do SóNotíciaBoa – com informações da RFI, Super e SNB
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