País abre 1ª biblioteca de livros censurados, inclusive os de Paulo Coelho

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Por Só Notícia Boa
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Biblioteca Dawit Isaak, em Estocolmo - Foto: Divulgação

Obras censuradas agora têm um lugar para serem mostradas: a Suécia inaugurou a primeira biblioteca do mundo para livros proibidos, ou que já foram “queimados” em alguns países.

Na Dawit.Isaak, estão livros escritos por autores que enfrentaram a prisão, a censura ou o exílio.

O acervo inclui livros do autor brasileiro Paulo Coelho, que em 2011 saíram de circulação no Irã, quando o regime cassou a licença da editora iraniana que detinha os direitos das obras.

“A censura não é algo que pertence à história. Autores ainda são ameaçados, ainda que as razões variem de país para país em diferentes períodos. E ainda é difícil ter acesso a literatura contemporânea proibida, ou censurada, em diversos países. Nesse sentido, a biblioteca cumpre um importante papel”, disse à RFI Emelie Wieslander, diretora da biblioteca e chefe do departamento de Documentação e Liberdade de Expressão do Arquivo Geral de Malmö.

O nome

A nova Biblioteca Dawitt Isaak foi inaugurada no complexo do Arquivo Geral da cidade de Malmö, no sul da Suécia.

O nome é uma homenagem ao jornalista e autor Dawit Isaak, que desde 2001 é mantido preso sem julgamento na Eritréia, por ter publicado críticas ao regime. Nascido no país africano, Isaak tem cidadania sueca e em 2003 foi homenageado com o Prêmio Liberdade de Expressão, concedido pela organização Repórteres Sem Fronteiras na Suécia.

No interior da nova biblioteca de livros censurados, está uma cadeira vazia – à espera do dia em que o jornalista e autor Dawit Isaak possa ser libertado da prisão na Eritréia e retornar à Suécia.

A Anistia Internacional considera Dawit Isaak como um prisioneiro de consciência, detido de forma arbitrária em função de suas posições políticas, e por isso defende sua libertação imediata e incondicional.

Os livros

Além de livros proibidos, o acervo reúne também músicas e peças teatrais proibidas, e uma ampla literatura sobre liberdade de expressão, censura e democracia.

O local abriga tanto obras antigas como contemporâneas.

Algumas são famosas pelo fato de seus autores terem sido ameaçados ou perseguidos. Um exemplo é o livro Versos Satânicos, do anglo-indiano Salman Rushdie.

A obra foi considerada ofensiva ao profeta Maomé por lideranças islâmicas, e em 1989 Rushdie foi condenado à morte pelo então líder religioso do Irã, o aiatolá Khomeini.

Outros exemplos são menos conhecidos: O Touro Ferdinando, do americano Munro Leaf, foi proibido pelo regime de Franco na Espanha por ter sido considerado “propaganda pacifista”, e na Alemanha de Adolf Hitler todos os exemplares foram queimados.

Liberdade de expressão

“A cidade de Malmö tem forte tradição de trabalhar pela liberdade artística, e oferece por exemplo refúgio para autores e artistas em situação de risco”, diz a diretora da biblioteca.

“Decidimos criar a Dawitt Isaak após percebermos que não existia nenhuma biblioteca pública que pudesse oferecer literatura que é, ou já foi proibida, ou censurada. É importante que bibliotecas sejam espaços onde as pessoas possam formar suas próprias opiniões. E para isso, as pessoas precisam de fatos. Censurar livros e ideias não fortalece a democracia – muito pelo contrário”, acrescenta Emelie Wieslander.

Indicações

Cada livro da biblioteca contém informações sobre por qual razão o livro foi censurado, quando e onde.

Para expandir o acervo inicial de 1.600 itens, a Biblioteca Dawit Isaak busca indicações de obras, autores, músicos e artistas em geral que tenham sido banidos ou provocado controvérsias na América Latina e em diferentes regiões do mundo.

Sugestões podem ser enviadas para o endereço de email dawitisaakbiblioteket@malmo.se

Paulo Coelho

Entre os obras latino-americanas, O Alquimista e outros livros do brasileiro Paulo Coelho foram retirados das prateleiras do Irã em 2011, quando o regime baniu a editora Caravan Books, responsável pelas publicações.

O Ministério da Cultura iraniano justificou a medida na época com a afirmação de que o diretor da editora, Arash Hejazi, era um “contrarrevolucionário fugitivo” – em 2009, o diretor havia sido filmado em um protesto contra os resultados das eleições presidenciais de junho daquele ano.

O ministério afirmou, por outro lado, que os livros de Paulo Coelho poderiam ser publicados por outras editoras iranianas.

Outros

Cem Anos de Solidão (1967), obra do colombiano Gabriel García Márquez que aborda questões políticas de forma alegórica, foi censurado em países como Rússia, Irã e, mais recentemente no Kuwait, por conter ‘cenas explicitamente sexuais’.

O livro chegou a ser proibido na própria Colômbia, onde o veto só foi abolido depois de o autor vencer o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982. A rede de streaming Netflix comprou no ano passado os direitos autorais da obra, que está sendo adaptada para o audiovisual e transformada em série.

A nova biblioteca reúne ainda livros de diversos outros autores latino-americanos perseguidos ou censurados, como a chilena Isabel Allende (A Casa dos Espíritos), o cubano Armando Lucas Correa (A Garota Alemã), o guatemalteco Miguel Ángel Asturias (O Senhor Presidente) e a mexicana Lydia Cacho (Los Demonios del Edén).

Obras que já foram proibidas por terem sido consideradas imorais, profanas, obscenas ou subversivas também têm espaço na biblioteca da Suécia.

O romance Lolita (1955), do russo Vladimir Nabokov, foi censurado no Brasil e em vários outros países por sua narrativa centrada na paixão erótica de um professor de meia-idade por sua enteada de 12 anos.

1984, a obra do escritor britânico George Orwell lançada em 1948 e que é uma crítica aos regimes totalitários, foi imediatamente censurada nos Estados Unidos, que a consideraram como literatura pró-comunista. Em meio à Guerra Fria, o livro também foi banido na União Soviética de Stálin.

Mais recentemente, o best seller Os Cinquenta Tons de Cinza, trilogia erótica assinada pela britânica E.L. James, foi banido de prateleiras de algumas regiões dos Estados Unidos devido ao teor sexual. Em várias partes do mundo, grupos atacaram a obra.

Harry Potter 

Nem as aventuras do jovem mago Harry Potter, da autora britânica J.K. Rowling, escaparam da censura: os livros foram proibidos em algumas regiões dos Estados Unidos e em escolas particulares dos Emirados Árabes Unidos, sob a alegação de promoverem uma apologia da bruxaria e do ocultismo. Escolas da Inglaterra, do Canadá e da Nova Zelândia também tentaram proibir o livro.

Teatro

Na cena musical e no teatro, a censura também se fez – e ainda se faz – presente.  “O grupo teatral Belarus Free Theatre não é tolerado pelo regime de Belarus”, exemplifica a bibliotecária Ulrika Ahlberg, da Dawitt Isaak.

“O musical Hair provocou controvérsias em países como Estados Unidos, Grã-Bretanha, México e França. E nos Estados Unidos, o Parents Music Resource Center foi um grupo fundado em 1985 pelas ‘esposas de Washington’, formado por mulheres de políticos para exercer pressão contra letras de música consideradas inapropriadas, de artistas como Prince e Madonna. Uma das integrantes do grupo foi Tipper Gore, casada com o então senador e mais tarde vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore”, conta Ulrika Ahlberg.

Fachada da Biblioteca Dawit Isaak - Foto: Divulgação

Fachada da Biblioteca Dawit Isaak – Foto: Divulgação

Inauguração da biblioteca - Foto: divulgação

Inauguração da biblioteca – Foto: divulgação

Com informações da RFI