Ex-catador de lixão vira doutor em Linguística: superação

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Por Só Notícia Boa
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Dorival Gonçalves

A história de superação de Dorival Gonçalves Santos Filho é comovente e surpreendente.

Este mês, aos 35 anos de idade, ele defendeu a tese do doutorado em Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em Florianópolis. Uma conquista que parecia improvável para um menino que cresceu no lixão, catando restos de comida para se alimentar e ajudar a família, como mostrou o SóNotíciaBoa em 2015.

“Meu trabalho era uma fonte de renda importante para minha família. A maioria da nossa alimentação vinha do lixão, vinha de pacotes de comida que as pessoas descartavam, frutas que podiam ter a parte podre cortada. Eu tomava café da manhã no lixão, disputava a comida com centenas de corvos e cães. A gente usava cabos de vassoura para espantá-los”, disse ao G1.

Hoje, professor da prefeitura de Florianópolis ele é pura gratidão.

“Eu tive oportunidade. Sem os programas sociais, as bolsas de estudo, nada teria sido possível. Quando penso na vida, faço o comparativo com uma maratona, em que muitos estavam com vantagens na minha frente. O trabalho deles seria uma corrida normal e o meu seria uma longa corrida com obstáculos. Eu tive apoio da família, ajuda de professores, de pessoas amigas, mas principalmente, aproveitei as oportunidades”, afirmou.

“Agora, é minha vez de devolver para a sociedade o investimento que foi feito em mim… Este é o momento de compartilhar o que aprendi e as vivências que tive desde a experiência com a família, na universidade e ainda a pessoa que me tornei”, afirmou.

História

De uma família de cinco filhos, Dorival cresceu coletando materiais ao lado dos irmãos e da mãe no lixão e em latões na frente da casa das pessoas, onde faziam a separação dos materiais para a comercialização.

Apesar de a mãe ter se tornado gari, ela ainda não tinha como garantir sozinha o sustento de todos.

Da infância até o início da vida adulta Dorival ajudou a sustentar a família coletando resíduos em um lixão de Piedade, interior de São Paulo.

Ele aproveitou os livros achados no lixo para ler quase toda obra de Machado de Assis, entre outras.

“Eu contrariei minha mãe, a enfrentei e parei de estudar depois da 8ª série. Não tinha como continuar, chegava ao fim do dia exausto, com as mãos cortadas, de tanto recolher lixo e separar, meu caderno ficava manchado de sangue. Eu ficava tão cansado que às vezes dormia sem jantar”, contou.

Livros

No lixão, Dorival encontrou aos poucos livros que formaram um acervo de até três mil publicações.

As obras lotaram as paredes do quarto que dividia com o irmão, as caixas colocadas embaixo das camas e até um quartinho dos fundos de casa.

“Eu avisava meus colegas: ‘quando vocês encontrarem um livro, passem para mim’, eu sempre amei ler. Eles preferiam sapatos, então, fazíamos essa troca. Foi assim que ainda na adolescência li quase a obra completa de Machado de Assis e alimentei o sonho de criar uma biblioteca comunitária, o que acabou não acontecendo”, contou.

Dorival aos 6 anos, quando trabalhava no lixão - Foto: arquivo pessoal

Dorival aos 6 anos, quando trabalhava no lixão – Foto: arquivo pessoal

Volta aos estudos

Aos 21 anos, Dorival pôde voltar a estudar e realizar o sonho de conquistar um emprego formal.

“Eu acordava de madrugada para trabalhar no lixão e a atividade era subumana. Quando minha mãe começou a receber o Bolsa Família, já não estava mais sozinha para sustentar a gente, então pude voltar a estudar. Esse pode parecer um discurso político, mas não é, foi o que aconteceu na minha vida”, contou.

As oportunidades começaram a surgir depois que uma equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) visitou a escola dele para divulgar o vestibular, sorteou dois alunos para fazerem a prova gratuitamente, e um dos contemplados foi Dorival.

“O vestibular era em outra cidade e durava três dias, minha mãe conseguiu dinheiro emprestado para a passagem, mas a gente não tinha para alimentação, eu fui fazer a prova com fome mesmo. Tinha me preparado com os livros do lixão e passei”, contou.

Ajuda

Deu certo. Para fazer a matrícula, uma professora pagou a passagem até a faculdade.

Dorival deixou a família para cursar Letras. Ele se mudou para Assis, interior de São Paulo, a 400 km de casa.

“O começo foi difícil, porque só tinha o dinheiro que minha mãe conseguiu emprestado para o primeiro mês de aluguel. A alimentação ficava por conta do café da manhã que um supermercado da cidade oferecia”, contou.

Depois, ele conciliou uma bolsa de iniciação científico com trabalho na divulgação do vestibular e foi trabalhar como cuidador de um idoso para sobreviver durante a graduação.

Dorival se formou em 2010.

Graduado em Letras Português/Francês, Dorival se tornou professor em uma escola do centro de Guaramirim, no norte do Estado e levou a família para mudar com ele.

Na sala de aula, ele sentiu crescer o desejo de se dedicar à pesquisa acadêmica e dar continuidade aos estudos.

“Foi então que fiz mestrado e depois doutorado, com bolsas de estudos”, contou.

Atualmente, como dissemos, Dorival é professor do ensino fundamental da prefeitura de Florianópolis.

Com informações do G1