Nei Lopes: samba, raizes afro e superação

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Por Bruno M.
Imagem de capa para Nei Lopes: samba, raizes afro e superação
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Autor de sucessos como “Gostoso Veneno”, imortalizado na voz de Alcione, “Senhora liberdade”, gravada por Zezé Motta; “Goiabada cascão”, gravada por Beth Carvalho em 1978; e “Morrendo de saudade” em 1981; “Coisa da antiga” e “Mulata do balaio”, interpretadas por Clara Nunes, entre tantas outra canções, para muitos Nei Lopes é a encarnação do que há de melhor na miscelânea cultural brasileira.

Nascido em 1942 no Rio de Janeiro, suas músicas e escritos retratam a história dos afrodescendentes no Rio e fazem sucesso no Brasil e também no exterior.

Caçula de treze irmãos, ele foi o único a freqüentar a universidade, formado em direito, chegou a advogar por oito anos, mas chateado com a morosidade do judiciário, ele resolveu seguir o caminho da música.
Esta é a história do mestre griot Nei Lopes.
De passagem pela capital federal, tive a oportunidade de bater um papo com ele sobre sua história.,produções, o samba de raiz e como ele vê o chamado samba comercial, que hoje invade as ruas, as rádios e os salões de dança.

O samba que te descobriu ou você que se encontrou no samba?
Nei Lopes- Eu nasci dentro dele né, então, a gente se encontrou muito cedo. Eu não nasci dentro de uma comunidade tipicamente sambista, mas, no subúrbio carioca na década de 40, que foi a década da minha primeira infância, era uma coisa meio proibitiva se mexer com samba, então, a família evidentemente que tentou me afastar, mas o entorno me levou, me levou pelo fato que a minha era uma família extremamente musical. Uma família de músicos amadores, os irmãos mais velhos, cada um com um instrumento e inevitavelmente o samba acontecia.
Agora, não acontecia de participar dentro das comunidades do samba, era aquele negocio assim, eles lá e nós aqui. Havia um apatheid, uma segregação natural naquela época, e eu até compreendo perfeitamente isso, não que eu justifique, aliás, eu justifico compreendendo, não que eu achasse bom, não é isso, mas eu justifico pelo seguinte, meus pais por exemplo, eram pessoas que haviam nascido no século XIX, meu pai nasceu antes da abolição, meses, mas, nasceu. Minha mãe nasceu em 1900, então não era alguma coisa que interessasse na cabeça das pessoas afrodescendentes daquela época, o que se queria, eles queriam era se afastar o máximo possível de reminiscência de qualquer referencia ligada ao escravismo. A gente quer é que o filho vá estudar, vá fazer os seus cursos, para que se rompa definitivamente este laço de subalternidade. E comigo aconteceu uma coisa que só o destino pode explicar,eu fui consolidar a minha condição de sambista, dentro da escola formal, porque fui o primeiro de uma família de treze filhos a ultrapassar a barreira do curso elementar, fui para uma escola profissionalizante, onde haviam muitos meninos egressos do que hoje se chama comunidade, e o samba estava presente ali na escola, e foi ali que eu desenvolvi, e foi através de um amigo , colega de curso que eu ingressei numa escol,a de samba, já com 18/19 anos de idade.Então, é uma coisa muito interessante, a família querendo me afastar e eu me aproximando, e esta aproximação gerou uma coisa importantíssima, eu me tornei um profissional da música e dez anos após me tornar um profissional da música eu me tornei escritor de livro publicado.
 
Você é autor de discos, livros e dicionários indispensáveis para o entendimento da cultura africana no Brasil…
 Nei Lopes- O primeiro livro que eu publiquei foi exatamente uma reflexão sobre o que estava acontecendo com o samba naquele momento no inicio da década de oitenta, que redundou no que a gente vê hoje, da opção da escola de samba pelo espetáculo em detrimento da essência comunitária.

 Isto é um tema interessante, porque, a gente tem esta referência do samba de origem africana, do samba negro. A gente pode dizer que o samba de hoje, ou este samba a partir do bumbum baticumbum prucurundum, ele continua um samba com esta referencia desta estética negra?
 Nei Lopes– Não é não, eu tenho uma posição até relativamente recente, eu antes tinha esta ilusão de que o samba se mantivesse africano etc. Mas não é isso, é muito interessante a gente entender os amba como alguma coisa brasileira antes de tudo, eu costumo dizer que o samba foi gerado na África, nasceu na Bahia, mais especificamente no recôncavo e cresceu e se modificou no Rio de janeiro, do RJ partiu pro mundo. Então, a gente ter a ilusão de tentar ver ainda no samba, alguma coisa de absolutamente africano não, porque houve muita interferência de outras culturas, mas na medida do possível, se a gente pode, nós que somos afrodescendentes, pudermos conservar ainda alguma coisa, fazer com que este samba retome de certa forma algumas características ancestrais, eu acho que é uma coisa boa, porque é um patrimônio nosso.
O samba de terreiro, ou samba de raiz tem perdido espaço para o samba comercial, mais mercantilizado dos grupos de pagode atuais?
 
Nei Lopes- Eu acho que é tudo conseqüência do momento sócio econômico que a gente está vivendo, o mundo inteiro está assim, tudo hoje é olhado sob aspecto mercantil, tudo é olhado como mercadoria, então, é um domínio global desta economia. Para estas estruturas de dominação, o produto cultural tem que ter características muito especificas e muito iguais no mundo inteiro, não obrigar muito a pensar, não elaborar muito o pensamento, é tudo muito imediato. Por isso que eu digo que não é só esta coisa de tornar o espetáculo como principal, e sim esta coisa de tornar o samba um produto de consumo fácil, digamos assim, então, para ser fácil tem que ser como. Tem que falar só de amor, ter uma linguagem que seja universal, ser jovem.O samba é colocado dentro desta perspectiva, e a gente tem que lutar contra isso, mostrar que o samba é um produto palatável do jeito que ele se apresentar, porque o samba tem muitas formas, muitos estilos, e cada um tem o seu momento, o seu lugar, eu entendo assim.Tem o samba para dançar, o samba apenas para ouvir, o samba para colocar posições políticas, mas só que a grande máquina do consumo não vê desta forma.
  
Você já foi gravado e regravado por grandes estrelas da MPB. Clara Nunes, Alcione, Renata Jambeiro e Dudu Nobre,Zeca pagodinho, são alguns dos nomes que te gravaram, letras que de alguma formas contam a história do negro carioca.
 Nei Lopes- Uma coisa que me ocorreu muito cedo, é que eu comecei a perceber a exclusão do elemento africano na cultura brasileira, eu ficava olhando, primeiro que eu não me via, eu não tinha um espelho para me ver, eu não via ninguém da minha extração, da minha origem aparecendo bem nos jornais e nas revistas, nem como artista. Os artistas de rádio, os negros, afrodescendentes, não tinham nomes, tinham apelidos: Jamelão, blecaute, risadinha, pato preto, gasolina, não tinha, era difícil um negro que tivesse um reconhecimento como cidadão, como individuo como artista. A coisa era sempre colocado no pejorativo, no engraçado.E isso me tocou desde muito cedo.
 É isso aí, este é o mestre Nei Lopes.

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