Zuzu Angel: Brasil reconhece que estilista foi morta pela ditadura, 50 anos depois

A verdade que familiares e ativistas buscavam há décadas, enfim, foi reconhecida oficialmente. A estilista Zuzu Angel, morta em 1976, não foi vítima de um acidente de carro, mas de um crime de Estado. Após quase 50 anos, o governo brasileiro corrigiu a certidão de óbito dela, registrando que a morte foi violenta e causada pela ditadura militar.
A entrega do novo documento foi na semana passada, em cerimônia na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Além de Zuzu, outras 20 famílias receberam certidões retificadas, em um ato que marcou não só a memória de quem partiu, mas também a luta de quem ficou.
Para muitos, a retificação é mais do que um papel: é a reparação de uma injustiça histórica e o reconhecimento de que o país não pode apagar a violência sofrida por tantos homens e mulheres perseguidos pelo regime militar.
Vestia estrelas mundiais
Zuzu Angel conquistou reconhecimento mundial ao vestir estrelas como Liza Minnelli e Joan Crawford. A moda dela, inspirada em cores e símbolos brasileiros, encantou o mundo.
Mas após a morte brutal do filho Stuart, ela usou a visibilidade internacional para denunciar os crimes da ditadura. As coleções passaram a carregar mensagens políticas, e a voz da estilista se tornou um grito de resistência que incomodava o regime.
Foi justamente essa coragem que fez de Zuzu um alvo. A morte dela, assim como a de Stuart, tornou-se símbolo da violência e do silêncio impostos pela ditadura.
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Não foi acidente
Zuzu Angel tinha 54 anos quando o carro que dirigia bateu na saída do antigo túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. Desde o início, familiares e amigos contestaram a versão oficial.
O jornalista Zuenir Ventura relatou que, meses antes de morrer, a estilista havia deixado um bilhete em que dizia claramente: “Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”.
Em 1988, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos já havia reconhecido a responsabilidade do regime militar pela morte da estilista. Agora, a certidão oficial confirma aquilo que há muito era sabido: o acidente foi forjado.
O que mudou na certidão de óbito
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania foi responsável pela retificação, que atende à Resolução nº 601/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A norma determina que mortes de opositores políticos ocorridas durante a ditadura sejam registradas como não naturais e atribuídas ao Estado.
No caso de Zuzu, a certidão agora aponta a verdadeira causa: a morte não foi um acidente de trânsito, mas consequência da perseguição política que sofria desde a execução do filho, o militante Stuart Angel, em 1971.
O governo federal anunciou que, até o fim de 2025, pretende entregar 400 certidões atualizadas para familiares de mortos e desaparecidos políticos.
Memória e futuro
Durante a cerimônia em Minas Gerais, a secretária-executiva do ministério, Janine Mello, afirmou: “Trata-se do reconhecimento da verdade histórica sobre a causa da morte dessas pessoas”.
Já a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, destacou que o país ainda convive com as marcas da repressão: “É importante nomear o óbvio e o vivido para que não se repita”.
Ao lado de Zuzu, outros nomes tiveram as histórias reconhecidas, como Adriano Fonseca Filho, Antônio Carlos Bicalho Lana, Walkíria Afonso Costa e Paulo Costa Ribeiro Bastos.
