Trump x Pix: veja porque o sistema de pagamento brasileiro incomoda tanto os EUA

O Pix é um dos maiores avanços na vida dos brasileiros e, recentemente, virou alvo de uma investigação comercial aberta pelos Estados Unidos sob o comando do republicano Donald Trump. O motivo? O sucesso estrondoso do sistema gratuito e instantâneo criado pelo Banco Central, que já movimenta trilhões por ano e ameaça gigantes como PayPal, Mastercard, Visa e até o WhatsApp Pay, da Meta.
A apuração, feita pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR), acusa o Brasil de adotar “práticas desleais” no setor digital e mira diretamente o Pix como uma suposta barreira comercial. Trump alega que o sistema favorece serviços criados pelo governo e prejudica empresas privadas dos EUA.
O modelo brasileiro, gratuito para pessoas físicas e universalizado, causa um impacto direto nos lucros das gigantes americanas. E é esse o ponto central da crítica feita pelos EUA: o Pix quebra monopólios, diminui taxas, desafia o setor privado e mostra que o setor público também pode inovar — e com mais eficiência.
Um sistema brasileiro contra as big techs
O desconforto não vem só da concorrência direta. A investigação cita que o Pix reduz o uso de cartões de crédito e débito, setor dominado por empresas dos EUA. Enquanto o Pix cresceu 52% no último trimestre de 2024, os cartões avançaram apenas 9,8%, com queda de 5% nos débitos. É uma mudança estrutural no mercado financeiro.
Outro exemplo citado foi a suspensão do WhatsApp Pay, da Meta, logo após o lançamento no Brasil em 2020. A decisão do Banco Central foi baseada em critérios técnicos, já que o sistema não havia sido analisado previamente. Mas, para os EUA, a medida prejudicou a entrada de uma empresa americana num setor estratégico. Detalhe: o WhatsApp só foi autorizado a operar depois do Pix já estar consolidado.
A leitura do governo Trump é clara: o Brasil estaria fechando portas para as empresas americanas e privilegiando soluções locais. Só que, nesse caso, a solução local foi criada para beneficiar o consumidor — e funcionou.
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Sistemas deles engatinham ainda
Gratuito, rápido e obrigatório para todos os bancos regulados, o Pix virou uma revolução. Em 2024, o sistema movimentou R$ 26,45 trilhões — um crescimento de mais de 50% em relação ao ano anterior. Foram mais de 63,5 bilhões de transações. A cada segundo, milhares de brasileiros usam o celular para fazer pagamentos com um simples clique.
Do outro lado, os EUA tentam correr atrás. O FedNow, lançado em 2023 pelo banco central americano, ainda engatinha. O Zelle, operado por bancos privados, não tem alcance nacional e o Venmo — sistema do PayPal — é usado regularmente por apenas um terço da população. Ou seja: lá, rapidez e inclusão ainda são privilégios, não direitos.
A iniciativa é baseada na Seção 301 da legislação comercial americana, a mesma que foi usada em 2024 contra a Indonésia por um sistema de pagamento similar. E, o Brasil, com seu sistema público, gratuito e eficiente, está mostrando ao mundo que inovação e inclusão também podem vir do Estado e isso está tirando o sono de muita gente no alto escalão norte-americano.
Não é só dinheiro
Por trás da briga comercial, existe um também embate ideológico. Peter Thiel, fundador do PayPal e investidor da Stripe, é uma das figuras mais influentes da nova direita americana e também um grande apoiador de Trump. Ele já declarou que “democracia e liberdade não são mais compatíveis” e critica abertamente o papel do Estado na economia.
Thiel tem financiado políticos alinhados ao trumpismo e instituições que defendem um mercado totalmente livre. O sucesso do Pix, uma iniciativa pública de tecnologia e inclusão, representa o oposto dessa visão.
É a prova viva de que um Estado bem gerido pode liderar avanços que beneficiam a maioria. A dor de cabeça, portanto, não é só econômica. É política. É filosófica. É simbólica. O Pix virou um exemplo que incomoda.
Levar o Pix para o mundo
E o que mais assusta os EUA: o Brasil quer levar o Pix para o mundo. O Banco Central trabalha para integrar o sistema a plataformas internacionais, permitindo transferências diretas entre países com câmbio automático e liquidação instantânea. A ideia é criar uma “rede global de Pix”, sem depender de intermediários como bancos e bandeiras de cartão.
Hoje, brasileiros já conseguem usar o Pix em locais como Miami, Lisboa e Buenos Aires, por meio de acordos locais. Mas o plano futuro é mais ambicioso e já conta com apoio do G20 e do Banco de Compensações Internacionais (BIS). O Brasil também participa do projeto Nexus, que busca conectar sistemas de pagamentos de diversos países como o UPI da Índia e o PromptPay da Tailândia.
Se essa rede se concretizar, ela pode mudar completamente o mercado de remessas internacionais, hoje dominado por empresas como a Western Union e os próprios bancos dos EUA. As taxas altas e os prazos longos perderiam espaço para um sistema mais justo, rápido e acessível.
E agora?
A próxima audiência pública da investigação está marcada para o dia 3 de setembro.
Até 18 de agosto, cidadãos e empresas podem enviar manifestações. Dependendo do desfecho, os EUA poderão impor tarifas, barreiras comerciais ou exigir mudanças nas regras brasileiras.
Por enquanto, o governo brasileiro deu uma resposta sutil nas redes sociais, com bom humor e orgulho: uma imagem com os dizeres “O Pix é nosso, my friend.”
E é mesmo.
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